sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Caio Fernando Abreu

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Fazia muito tempo que eu não tinha vontade de sorrir para nada nem para ninguém, então era extraordinário que ele conseguisse perturbar assim os cantos de meus lábios.

( L )

Caio Fernando Abreu

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E numa batida mais forte da percussão, num rodopio, girando juntos, ela pediu:
― Deixa eu cuidar de você.
Ele disse:
― Deixo.



aaaah *_* (suspiro)

Fernanda Young

Para os que esperam cartas

Oi, tudo bom? Infelizmente, esta carta não é de quem você esperava. Mas, como eu sei direitinho como você se sente, talvez traga boas notícias.
Olha, desculpa minha sinceridade, mas a vida é muito curta para ficar aguardando pelos outros. Se quem você aguarda realmente se importasse com você, já teria dado algum sinal de vida. Parta para outra.
Já reparou numa certa pessoa que você conhece e tem uma quedinha por você? Não posso dizer quem é, mas pode ser alguém que trabalha do seu lado ou que mora perto da sua casa ou que freqüenta um mesmo lugar. Sei que se trata de uma pessoa bem legal, vale a pena procurar saber quem é.
Fique de olho, tem um monte de gente reparando em suas qualidades. Aposto que, se você olhar em volta, neste instante, tem alguém olhando disfarçadamente para você. Pode não ser o seu tipo, mas já é uma dose de auto-estima, substância da qual você carece.
A verdade é que, enquanto você estiver assim, nessa interminável agonia, esperando notícias que nunca chegam, vai deixar passar várias possibilidades interessantes ao seu redor. Claro, ninguém se compara a quem você aguarda, mas quem você aguarda não está disponível no momento. Poderá, inclusive, nunca estar, apesar de tudo o que foi dito naquele dia. Pessoas que somem não são confiáveis.
E, mesmo que você tenha certeza absoluta de que não se trata de desprezo, que deve ter acontecido alguma coisa, que esse sumiço tem alguma explicação, não adianta nada você ficar aí esperando. Corroer-se de ansiedade não vai apressar a resolução do problema, seja ele qual for. Então, desencana.
Dá uma esquecida desse assunto, tenta focar as energias naquilo que depende da sua vontade. Caso seja necessário, para tirar de vez essa história da cabeça, mande você uma carta esculhambando e colocando um ponto final na questão.
O fato é que não dá para você continuar assim, desse jeito. Está todo mundo comentando.
Ninguém tem coragem de dizer isso para você, mas todos concordam comigo. Já chega.
Além do mais, se for para ser, será. Um dia, quando você menos espera, pinta um reencontro, sei lá. Mas até esse possível reencontro fica mais difícil se você não se abrir de novo para o lado inesperado da vida.
E, cá entre nós, se a pessoa que você aguarda é quem eu estou pensando, também não é nenhuma belezura assim. Você arruma coisa melhor.
Mande notícias, ficarei aguardando.

ali.

- Não gosto quando seus olhos ficam assim perdidos...
- Perdidos?
- É. Fixos em lugar algum. Parece que assistem um filme que não consigo ver.
- O filme tá passando aqui dentro, ó.
- Aposto que é um filme de drama - Ele sorriu e fez carinho nas mãos dEla.
Ela também sorriu. Apertou suas mãos nas dEle, como se procurasse segurança.
- É, pode-se dizer que é um drama sim. Daqueles que fazem meninas bobas como eu chorar e chorar e chorar...
- Você não é mais uma menina que chora à toa. Você é uma mulher forte.
- Não... Não sou. Talvez seja o que demonstro, talvez seja o que eu devia ser...
- Você se engana bem nesse ponto. Acha que transparece ser forte enquanto se quebra por dentro. E é completamente o contrário...
- Então você me vê como uma pessoa fraca? - os olhos dEla saíram do 'lugar nenhum' e se fixaram nos olhos dEle.
- Não é isso. Mas vê-se que você é frágil, delicada - por um momento Ele perdeu o raciocínio enquanto a observava ajeitar os cabelos. - Você é doce. E logo dá pra notar também a mulher forte que impera aí dentro. Que enfrenta o mundo em busca do que quer.
- Mas o que eu quero? Eu não sei.
- Pode até não ter certeza agora, ninguém tem certeza o tempo todo. Mas sempre que sabe, vai logo conquistar.
Ela fechou os olhos, respirou fundo. Abriu os olhos lentamente como se não quisesse enxergar o mundo de fora, só o de dentro. Encontrou os olhos dEle sorrindo, aqueles que eram verdes e agora também eram de todas as cores. Ela chegou mais perto dEle, encostou a cabeça em seu peito e sentiu seus braços a envolvendo.
- Ah... Como tudo podia ser mais fácil... Todo dia deveria ser sábado com sol claro e céu limpo. Toda amizade deveria ser como aquelas da adolescência, com diários trocados e brigadeiro de colher assistindo filme. Os segredos deviam ser guardados. Toda vez que as famílias se reunissem deveria ser como ceias de Natal. Todo amor deveria ser eterno...
- E quem disse que não é? Todo amor é 'pra sempre'. Só não é como pintam por aí, nas histórias infantis. - Ele notou que Ela se aconchegava mais no seu peito e segurava suas mãos com força, se protegendo de algo que Ele não sabia o que era.
- Do que você tem tanto medo?
- Eu não sei. - Ela olhava o céu e tentava se fixar no brilho das estrelas.
- Você se protege demais... Eu não consigo entender. Se fecha, se recolhe, se ausenta. Por que?
Ele não ouviu nenhuma palavra como resposta, apenas um suspiro longo.
- Posso soar piegas... Mas a vida...
- Não quero falar da vida. - Ela fez um carinho leve nas mãos dele, delicada. - Continua me falando do amor.
Ele aproximou seu rosto do dEla. Os dois fecharam os olhos. Fizeram carinho de um rosto no outro.
- O amor pode durar muito mais. - Sussurou no ouvido dEla. - É só você permitir que ele entre e permaneça. É só você deixar. Deixa?

ontem eu descobri...

que coisas mágicas acontecem.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

amor, i love you.

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E ela tinha… suspirado
Tinha beijado o papel devotamente.
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades
E o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas
Como um corpo ressequido que se estira num banho tépido.
Sentia um acréscimo de estima por si mesma,
E parecia-lhe que entrava enfim
Numa existência superiormente interessante
Onde cada hora tinha o seu encanto diferente
Cada passo conduzia a um êxtase
E a alma se cobria de um luxo radioso de sensações.



( L )

Caio Fernando Abreu

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Era tão bonito o outro que ele não resistiu a tentação de tocá-lo. Talvez não devesse, pensou. Quando pensou, já era tarde demais.

dreams...

Nunca consegui enumerar todas as coisas que eu gostava e as que você me fazia sentir. Primeiro, porque eram muitas. Segundo, porque algumas não tinham nome. Éramos extremamente felizes porque acreditávamos no amor, porque de início não víamos nada de empecilho, não víamos distancias, sejam de idades ou sejam de cidades, nós apenas vivíamos aquele presente que a vida parecia nos dar. E quando começaram surgir os planos, os sonhos, e fomos dando nomes para eles, a dar local e datas, e eu, então, parecendo um foguete a voar pelo céu de felicidade, vi você se afastando, medroso, inseguro. Mas que direito tinha eu de te fazer estar comigo todos os dias de amanhã? Que direito tinha eu de amarrar tuas mãos com a minhas? Não precisavas ter medo, tu não tinhas que arranjar uma forma de fazer tudo acontecer, tua única obrigação era me fazer sonhar.

"Queria que me desse o amor que a gente fez só de se olhar".

Mário Quintana

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Dante se enganou: Paolo e Francesca
Continuariam bem juntinhos no Inferno, com pecado e tudo
Juntinhos e felizes!
Mas quem sabe se não seria este mesmo o castigo divino?
Um amor que jamais pudesse terminar...

Caio Fernando Abreu

Quando Setembro Vier

De tão azul, o céu parecerá pintado. E nós embarcaremos logo rumo à ilhas Cíclades.
Houvesse cortinas no quarto, elas tremulariam com a brisa entrando pelas janelas abertas, de manhã bem cedo. Acordei sem a menor dificuldade, espiei a rua em silêncio, muito limpa, as azaléias vermelhas e brancas todas floridas. Parecia que alguém tinha recém pintado o céu, de tão azul. Respirei fundo. O ar puro da cidade lavava meus pulmões por dentro. Setembro estava chegando enfim.
Na sala, encontrei a mesa posta para o café — leite e pão frescos, mamão, suco de laranja, o jornal ao lado. Comi bem devagarinho, lendo as notícias do dia. Tudo estava em paz, no Nordeste, no Oriente Médio, nas Américas Central, do Norte e do Sul. Na página policial, um debate sobre a espantosa diminuição da criminalidade. Comi, li, fumei tão devagarinho que mal percebi que estava atrasado para o trabalho. Achei prudente ligar, avisando que iria demorar um pouco.
A linha não estava ocupada. Quando o chefe atendeu, comecei a contar uma história meio longa demais, confusa demais. Só quando ele repetiu calma, calma, pela terceira vez, foi que parei de falar. Então ele disse que tinha acabado de sair de uma reunião com os patrões: tinham decidido que meu trabalho era tão bom, mas tão bom que, a partir daquele dia, eu nem precisava mais ir lá. Bastava passar todo fim de mês, para receber o salário que havia sido triplicado.
Desliguei um pouco tonto. Então, podia voltar a meu livro? Discreta e silenciosa como sempre, a empregada tinha tirado a mesa. No centro dela, agora, sobre uma toalha de renda branca, havia rosas cor de chá, aquelas que Oxum mais gosta. No escritório, abri as gavetas e apanhei a pilha de originais de três anos, manchados de café, de vinho, de tinta e umas gotas escuras que pareciam sangue. Reli rapidamente. E a chave que faltava, há tanto tempo, finalmente pintou. Coloquei papel na máquina, comecei a escrever iluminado, possuído a um só tempo por Kafka, Fitzgerald, Clarice e Fante.
Não, Pedro não tinha ido embora, nem Dulce partido, nem Eliana enlouquecido. As terras de Calmaritá realmente existiam: para chegar lá, bastava tomar a estrada e seguir em frente.
Escrevi horas. Sem sentir, cheio de prazer. Quando pensava em parar, o telefone tocou. Então uma voz que eu não ouvia há muito tempo, tanto tempo que quase não a reconheci (mas como poderia esquecê-la?), uma voz amorosa falou meu nome, uma voz quente repetiu que sentia uma saudade enorme, uma falta insuportável, e que queria voltar, pediu, para irmos às ilhas gregas como tínhamos combinado naquela noite. Se podia voltar, insistiu, para sermos felizes juntos. Eu disse que sim, claro que sim, muitas vezes que sim, e aquela voz repetiu e repetia que me queria desta vez ainda mais, de um jeito melhor e para sempre agora. Os passaportes estavam prontos, nos encontraríamos no aeroporto: São Paulo/Roma/Atenas, depois Poros, Tinos, Delos, Patmos, Cíclades. Leve seu livro, disse. Não esqueça suas partituras, falei. Olhei em volta, a empregada tinha colocado para tocar A sagração da primavera, minha mala estava feita. Peguei os originais, a gabardine, o chapéu e a mala. Então desci para a limusine que me esperava e embarquei rumo a.
PS — Andaram falando que minhas crônicas estavam tristes demais. Aí escrevi esta, pra variar um pouco. Pois como já dizia Cecília/Mia Farrow em A cor púrpura do Cairo: “Encontrei o amor. Ele não é real, mas que se há de fazer? A gente não pode ter tudo na vida...” Fred e Ginger dançam vertiginosamente. Começo a sorrir, quase imperceptível. Axé. E The End.

sábado, 12 de setembro de 2009

Caio Fernando Abreu

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E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. A moça - que não era Capitu, mas também tem olhos de ressaca - levanta e segue em frente. Não por ser forte, e sim pelo contrário...por saber que é fraca o bastante para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos os outros, vieram ao mundo.


*__*

Martha Medeiros

Não respondo teus e-mails, e quando respondo sou ríspido, distante, mantenho-me alheio: FAZ DE CONTA QUE EU TE ODEIO.

Te encho de palavras carinhosas, não economizo elogios, me surpreendo de tanto afeto que consigo inventar, sou uma atriz, sou do ramo: FAZ DE CONTA QUE EU TE AMO.

Estou sempre olhando pro relógio, sempre enaltecendo os planos que eu tinha e que os outros boicotaram, sempre reclamando que os outros fazem tudo errado: FAZ DE CONTA QUE EU DOU CONTA DO RECADO.

Debocho de festas e de roupas glamurosas, não entendo como é que alguém consegue dormir tarde todas as noites, convidados permanentes para baladas na área vip do inferno: FAZ DE CONTA QUE EU NÃO QUERO.

Choro ao assistir o telejornal, lamento a dor dos outros e passo noites em claro tentando entender corrupções, descasos, tudo o que demonstra o quanto foi desperdiçado meu voto: FAZ DE CONTA QUE EU ME IMPORTO.

Digo que perdôo, ofereço cafezinho, lembro dos bons momentos, digo que os ruins ficaram no passado, que já não lembro de nada, pessoas maduras sabem que toda mágoa é peso morto: FAZ DE CONTA QUE EU NÃO SOFRO.

Cito Aristóteles e Platão, aplaudo ferros retorcidos em galerias de arte, leio poesia concreta, compro telas abstratas, fico fascinada com um arranjo techno para uma música clássica e assisto sem legenda o mais recente filme romeno: FAZ DE CONTA QUE EU ENTENDO.

Tenho todos os ingredientes para um sanduíche inesquecível, a porta da geladeira está lotada de imãs de tele-entrega, mantenho um bar razoavelmente abastecido, um pouco de sal e pimenta na despensa e o fogão tem oito anos mas parece zerinho: FAZ DE CONTA QUE EU COZINHO.

Bem-vindo à Disney, o mundo da fantasia, qual é o seu papel? Você pode ser um fantasma que atravessa paredes, ser anão ou ser gigante, um menino prodígio que decorou bem o texto, a criança ingênua que confiou na bruxa, uma sex symbol a espera do seu cowboy: FAZ DE CONTA QUE NÃO DÓI.

Paulo Leminski

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Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não, Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.

Gabriel Garcia Marquez

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O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança.

Nenê Altro

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É pegar ou largar.
Porque a vida imita a carne... sangra, arde e seca.

Caio Fernando Abreu

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Que seja ele, que seja exatamente este o porto. Mesmo para odiá-lo apaixonadamente algumas vezes, querendo partir sem deixar endereço ou telefone, mas por enquanto e com alegria, como uma Molly Bloom gaudéria, saudá-lo reverente em nome de Erico-Quintana-Dyonélio e repetir ardente, pedante, concentrado assim "todo perfume sim o coração dele batia como louco e sim eu disse sim eu quero Sims.

Caio Fernando Abreu

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E todas as coisas que eu lembrava, ou achava que lembrava, porque de tanto lembrar delas acabara por transformá-las em mera - e péssima - literatura, já não importavam mais.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

depois

você me vê vermelha e acha graça,
mas eu não ficaria bem na sua estante :)

quando a gente quer,

a gente faz.
quando não quer, inventa uma desculpa.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

deixarei o Caio falar por mim, mais uma vez.

“… isso que chamamos de amor, esse lugar confuso entre o sexo e a organização familiar…”

Sérgio, não sabia como começar - então comecei copiando essa frase aí de cima, é Caetano Veloso numa entrevista ao JB, vim lendo pelo caminho, não consegui me livrar dela.

Agora estou aqui, escrevendo para você no meu quarto antigo, que minha mãe conserva tal-e-qual, como se eu um dia fosse voltar para casa. E lá se vão - quantos mesmo? - sei lá, quinze vinte anos, qualquer coisa assim.

Chove. Faz frio. É bom estar aqui. Tão bom. Me sinto protegido. Ficamos vendo velhas fotografias, bebendo vinho e rindo muito. Meu irmão Felipe vestiu um modelinho de couro negro e saiu “para dar uma prensa numa caixa de supermercado”. Márcia está tão bonita. E Rodrigo, meu sobrinho, que tem dois anos e não parece quase me desconhecer. Deixei-os vendo um filme antigo dos Beatles, Lennon repetindo “don´t let me down” - e agora percebo que meu inglês anda tão precário que não lembro se é d´ont ou don´t.

Cansado, cansado. Quase não dormi. E não consigo tirar você da cabeça. Estou te escrevendo porque não consigo tirar você da cabeça. Hesito em dizer qualquer coisa tipo me-perdoe ou qualquer coisa assim. Mas quero te contar umas coisas. Mesmo que a gente não se veja mais. Penso em você, penso em você com força e carinho. Axé.

Foi mau, ontem. Fui mau, também. Menos com você, mais comigo mesmo. Depois não consegui dormir. Me bati pela casa até quase oito da manhã. Teria telefonado para você, não fosse tão inconveniente. Acabei ligando para Grace, pedi paciência, chorei, contei, ouvi.

Não era nada com você. Ou quase nada. Estou tão desintegrado. Atravessei o resto da noite encarando minha desintegração. Joguei sobre você tantos medos, tanta coisa travada, tanto medo de rejeição, tanta dor. Difícil explicar. Muitas coisas duras por dentro. Farpas. Uma pressa, uma urgência. E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer. Destruir antes que cresça. Com requintes, com sofreguidão, com textos que me vêm prontos e faces que se sobrepõem às outras. Para que não me firam, minto. E tomo a providência cuidadosa de eu mesmo me ferir, sem prestar atenção se estou ferindo o outro também. Não queria fazer mal a você. Não queria que você chorasse. Não queria cobrar absolutamente nada. Por que o Zen de repente escapa e se transforma em Sem? Sem que se consiga controlar.

Te escrevo com um cigarro aceso e uma xícara de chá de boldo. A escrivaninha é muito antiga, daquelas que têm uma tampa, parece piano. Tem um pôster com Garcia Lorca na minha frente. Um retrato enorme de Virginia Woolf. E posso ver na estante assim, de repente, todo o Proust, e muito Rimbaud, e Verlaine, Faulkner, Ítalo Svevo, William Blake. Umas reproduções de Picasso. Outras de Da Vinci. Um biscuit com um pierrô tão patético. Uma pedra esotérica ainda de Stonehenge, Inglaterra, uma caixinha indiana. Todos os meus pedaços aqui. E você não me conhece, eu não conheço você.

Te escrevo por absoluta necessidade. Não conseguiria dormir outra vez se não te escrevesse. Zelda, há também o único romance escrito por Zelda Fitzgerald, a mulher de Scott Fitzgerald, que morreu louca, um incêndio, um hospício. Chama-se “Save me the waltz”. “Reserve-me a valsa”, não é lindo? Lembra o Brahma, se se dançasse no Brahma.

Please, save me the waltz.

Fiz fantasias. No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio. Até o último momento esperei que você me chamasse pelo telefone. Que você fosse ao aeroporto. Casablanca, última cena. Todas as cartas de amor são ridículas. Esse lugar confuso de que fala Caetano. E eu estava só começando a entrar num estado de amor por você. Mas não me permiti, não te permiti, não nos permiti. Pedro Paulo me dizendo no ouvido “nunca vi essa luz nos seus olhos”.

Eu não queria saber.Tão artificial, tão estudado. Detesto ouvir minha voz no gravador ou ver minha imagem em vídeo. Sôo falso para mim mesmo. A calma, o equilíbrio, as palavras ditas lentamente, como se escolhesse. Raramente um gesto, um tom mais espontâneo. Tão bom ator que ninguém percebe minha péssima atuação.

Você compreende tudo isso?

Pausa. Campainha. O jornal de domingo. Desço, outro chá de boldo. Um comentário de Rubens Ewald sobre Aqueles dois, diz que é excelente, fala da “dignidade e tratamento delicado dado ao tema”. Lembro da crítica de Sérgio Augusto, de como fez mal por dentro. Já passou.

Quando pergunto você-compreende-tudo-isso não estou subestimando você. Ah, deus, perdoe. Não sinto agressividade nenhuma em relação a você. E gosto das tuas histórias. E gosto da tua pessoa. Dá um certo trabalho decodificar todas as emoções contraditórias, confusas, soma-las, diminui-las e tirar essa síntese numa palavra só, esta: gosto.

Dormi umas três horas e acordei ouvindo Quereres, de Caetano. Repeti, várias vezes, cada vez mais alto. Ah, bruta flor do querer. Discutia tanto com Ana Cristina César, antes que ela acolhesse a morte (acertadamente? Me pergunto até hoje, nunca sei responder): nossa necessidade fresca & neurótica de elaborar sofrimentos e rejeições e amarguras e pequenos melodramas cotidianos para depois sentar Atormentado & Solitário para escrever Belos Textos Literários.

O escritor é uma das criaturas mais neuróticas que existem: ele não sabe viver ao vivo, ele vive através de reflexos, espelhos, imagens, palavras. O não-real, o não-palpável. Você me dizia “que diferença entre você e um livro seu”. Eu não sou o que escrevo ou sim, mas de muitos jeitos. Alguns estranhos.

Não há nenhum subtexto nisto que te escrevo. Não acho bonito que a gente se disperse assim, só isso. Encontre, desencontre e nada mais, nunca mais, é urbano demais - e eu nasci praticamente no campo, até os 15 anos quase no campo, céu e campo. Não sei se a gente pode continuar amigo. Não sei se em algum momento cheguei a ver você completamente como Outra pessoa, ou, o tempo todo, como Uma Possibilidade de Resolver Minha Carência. Estou tentando ser honesto e limpo. Uma possibilidade que eu precisava devorar ou destruir. Porque até hoje não consegui conquistar essa disciplina, essa macrobiótica dos sentimentos, essa frugalidade das emoções.

Fico tomado de paixão. Há tempos não ficava.

E toda essa peste, meu amigo. O que tem me mantido vivo hoje é a ilusão ou a esperança dessa coisa, “esse lugar confuso”, o Amor um dia. E de repente te proíbem isso. Eu tenho me sentido muito mal vendo minha capacidade de amar sendo destroçada, proibida, impedida, aos 36 anos, tão pouco. Nem vivi nada ainda. E não sou sequer promíscuo. Dum romantismo não pós, mas pré todas as coisas - um romantismo que exige sexualidade e amor juntos. Nunca consegui. Uns vislumbres, visões do esplendor. Me pergunto se até a morte - será? Será amor essa carência e essa procura de amor, nunca encontrar a coisa?

Das minhas heterossexualidades, dois filhos mortos, não ficou nada. Das minhas homossexualidades, esse pânico lento e uma solidão medonha. A hora é tão grave.

Vim pegar energia. Sim. Preciso ver a terra, preciso do horizonte do pampa. Já começa a agir, meus ombros se soltaram. Olhei no espelho e aquela ruga entre as sombrancelhas se desfez.

Não quero me tornar uma pessoa pesada, frustrada, amarga. Não vou me tornar assim. Então vacilo, escorrego e a mania de perfeição virginiana e a estética libriana no dia seguinte me dizem “que vergonha, que vergonha, que vergonha”.

Eu podia dizer que tinha/tínhamos bebido demais. Eu podia dizer que estava com tanto medo de vir para Porto Alegre. Eu podia contar a você dos meus últimos meses, oito, dez, doze horas por dia sobre a máquina de escrever, falando com quase ninguém. Sozinho, às vezes. Cantando também. Tudo isso, se eu te dissesse, talvez tivesse ajudado a doer menos em você.

De repente me passa pela cabeça que você pode estar detestando tudo isso e achando longo e choroso e confuso. Mas eu não quero ter vergonha de nada que eu seja capaz de sentir. Tento não ficar assustado com a idéia que este tempo aqui é curto, que eu vou voltar a São Paulo e que talvez não veja mais você. Sei que não fico assustado demais, e enfrento, e reconstituo os pedaços, a gente enfeita o cotidiano - tudo se ajeita. Menos a morte.

Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas… Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo.

Quando te falo da idade, quando te falo do tempo, e não tivemos tempo - queria te falar de Cronos, Saturno, da volta pelo Zodíaco quando se completa 30 anos. A tua estrela é muito clara, tem sinais bons na tua testa. Compreendo teu Plutão e a Lua encarcerados na casa XII - as emoções e paixões aprisionadas -, e também Urano, todo o impulso bloqueado. Na mesma casa, a do Karma, a dos espíritos que mais sofrem, tenho também o Sol, Mercúrio e Netuno. Somos muito parecidos, de jeitos inteiramente diferentes: somos espantosamente parecidos. E eu acho que é por isso que te escrevo, para cuidar de ti, para cuidar de mim - para não querer, violentamente não querer de maneira alguma ficar na sua memória, seu coração, sua cabeça, como uma sombra escura. Perdoe a minha precariedade e as minhas tentativas inábeis, desajeitadas, de segurar a maçã no escuro. Me queira bem.

Estou te querendo muito bem neste minuto. Tinha vontade que você estivesse aqui e eu pudesse te mostrar muitas coisas, grandes, pequenas, e sem nenhuma importância, algumas. Fique feliz, fique bem feliz, fique bem claro, queira ser feliz. Você é muito lindo e eu tento te enviar a minha melhor vibração de axé. Mesmo que a gente se perca, não importa. Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro. Mas que seja bom o que vier, para você, para mim.

Com cuidado, com carinho grande, te abraço forte e te beijo,

Caio F.

p.s.: Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis. E amanhã tem sol.




*
suspira *

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

d o c e

Enquanto ele abria o portão, eu terminava de desligar o fogo das panelas. Faço o almoço e nunca como. Mas gosto de vê-lo elogiando o tempero ou comendo sem prestar atenção na salada nova, e falando sem parar dos problemas no trabalho.

Depois do portão, vem o processo de destrancar a porta e eu abrir o trinco do lado de dentro (maldita prisão). Geralmente ele me abraça, dá um beijinho, vai entrando pra lavar as mãos.

Hoje ele me abraçou, se abaixou e beijou a minha barriga. Fiquei meio paralisada. Estranho. Incomum. Estranho.

- Ahn? - não soube direito o que perguntar.
- Quero nosso bebê aqui. Nosso filho. Vou beijá-lo tanto. - e beijava mais, mais, mais, mais.

Ah... Espero que você não veja todas aquelas coisas que eu bordei com o nome da minha filha. Não quero que sofra. Não quero sofrer.

Quero te corresponder em tudo. Como? Me pega pela mão e me leva pra esse mundo cheio de amor que você me oferece todos os dias, e todos os dias nego.
Divide o brilho desses olhos comigo, faz com que eu tenha esses sonhos e planos ao seu lado, não permita que eu estrague tudo como sempre.
Eu preciso de você, do seu sorriso, do seu amor, dos seus planos, da sua determinação em construir a nossa história. Eu preciso sentir tudo isso. Me ensina...

that's not my name.

Ana. diz:
é que quando cê começa a ir

Ana. diz:
estudar

Ana. diz:
se tratar

Ana. diz:
cê vê que 'tudo' tem que ser mudado

Ana. diz:
e precisa muita força pra mudar

Ana. diz:
na maioria das vezes eu não tenho

Ana. diz:
então... não vou. pra não enfrentar o problema.

Ana. diz:
sou ótima em fugas.

Ana. diz:
hahah

Lets. diz:
snahuashsuahuas mas fuga num he bom

Ana. diz:
depende, huahua, não é bom mas também não é ruim.

Lets. diz:
eh ruim sim =P

Ana. diz:
é estável

Lets. diz:
q vc teria q mudar?

Ana. diz:
não é bem o que eu quero

Ana. diz:
mas o que eu preciso

Lets. diz:
entao mas ooq

Ana. diz:
eu tenho que estudar pra ajudar com a mediunidade

Ana. diz:
enquanto eu não ajudo, só me fodo

Ana. diz:
porque fico toda desnorteada aqui, haha

Ana. diz:
e vou acabar perdendo a chance de fazer algo por pessoas que precisam

Ana. diz:
simplesmente porque não quero(?) fazer. não é justo com os outros.

Ana. diz:
tenho que arrumar a vida minha.

Ana. diz:
a minha vida é uma fuga. estável. nem feliz nem triste. não foi pra isso que eu vim viver, né.

Lets. diz:
nao né.

Lets. diz:
tem q vir pra ficar feliz

Ana. diz:
pois é. mas pra ficar estavelmente feliz(?)haha eu teria que consertar coisa demais

Ana. diz:
e consertar leva tempo, lágrima, paciência, dor

Ana. diz:
em tão pouco tempo de vida eu já fiz tanta merda, meo

Ana. diz:
imagina nas outras, haha

Lets. diz:
hasushua nada haver vai..

Ana. diz:
é sério, haha, já fiz muita merda

Ana. diz:
algumas eu já consertei(?) ou pelo menos tentei

Ana. diz:
igual eu te falei antes

Ana. diz:
que eu me sentia muito culpada pelo p., por exemplo

Ana. diz:
e era uma culpa tipo esmagadora

Ana. diz:
daí eu engoli o orgulho e fui falar com ele

Ana. diz:
foi doído até eu decidir ir, foi doído estar lá, foi doído depois de ter me desculpado

Ana. diz:
but isso não muda a vida dele

Ana. diz:
daí em diante me dizem que é a parte dele

Ana. diz:
que ele também se permitiu entrar na merda toda, que ele permite que a vida dele seja o que é

Ana. diz:
mas eu ainda sinto culpa

Ana. diz:
uma das coisas que eu mais tinha que trabalhar era a culpa

Ana. diz:
eu carrego o mundo nas costas

Ana. diz:
e isso não é bondade

Ana. diz:
é outra fuga

Ana. diz:
haha

Ana. diz:
chega de falar de mim :B

Lets. diz:
shauhuas

Lets.diz:
mas o p. ta com a vida ruim?

Ana. diz:
ele mudou muito

Ana. diz:
mas tipo MUITO

Ana. diz:
ele também foge agora.

(...)

Ana. diz:
é, sei lá

Ana. diz:
sei lá.

Ana. diz:
de qualquer forma

Ana. diz:
eu fico tentando consertar a vida dos outros

Ana. diz:
sem ter consertado a minha

Ana. diz:
'fazer os outros sem ter feito a mim próprio'

Ana. diz:
eu fujo de todas as formas

Ana. diz:
e eu nem sei do que eu tô fugindo

Ana. diz:
porque se eu enfrentasse tudo ia doer

Ana. diz:
tudo de uma vez

Ana. diz:
e não isso

Ana. diz:
de doer tão aos poucos, tão cruel

Ana. diz:
e no fim ia ter resultado

Ana. diz:
e assim do jeito que tá

Ana. diz:
não tem

Ana. diz:
parece que eu fico arranhando as casquinhas dos machucados até saírem

Ana. diz:
e não cuido pra cicatriz de vez

Ana. diz:
quando dá casquinha, eu arranho de novo

Lets. diz:
nao vai cicatrizar nunca

Lets. diz:
mas eu acho q vc etm q entender q nao eh culpa sua nao.. vc nao tem q consertar nd.. se ele ta assim eh pq ele quer

Ana. diz:
não é só por causa dele

Lets. diz:
se vc tirar esses pesos das costas vai te ajudar mt

Ana. diz:
na verdade, depois de umas duas semanas que eu o vi, me tranquilizei

Ana. diz:
porque a minha parte eu fiz

Ana. diz:
eu não fico mais sem dormir pensando nas merdas que fiz com ele

Ana. diz:
desejo que ele fique bem

Lets. diz:
mas nao eh soh por ele q to dizendo

Ana. diz:
mas não tenho necessidade de saber como ele tá, se tá bem, se tá fazendo merda

Ana. diz:
só que é mais difícil do que parece ^^

Lets. diz:
eh de uma forma geral =s

Lets. diz:
eu sei oras

Ana. diz:
eu passo a imagem de algo que eu não sou

Lets. diz:
eu sei disso tmabme

Ana. diz:
parece que eu não me envolvo totalmente

Lets. diz:
e eu odeio isso

Ana. diz:
com nada

Ana. diz:
mas é totalmente o contrário

Ana. diz:
eu me envolvo mais que todo mundo

Lets. diz:
eu sei

Lets. diz:
por isso sempre odiei sua epoca savasseira.. e odeio oq vc eh na gi's

Ana. diz:
sabe o que uma menina que trabalha com a mel falou comigo?

Ana. diz:
que ela merece alguém melhor, que eu não sirvo pra ela. que eu sou muito problemática.

Ana. diz:
eu sempre ouvi que era problemática, haha, mas acho que a ficha nunca tinha caído assim

Ana. diz:
se eu finjo ser normal

Ana. diz:
divertida

Ana. diz:
animada

Ana. diz:
engraçada

Ana. diz:
forte

Ana. diz:
e até um pouco ausente

Ana. diz:
eu tenho pessoas comigo. e eu não preciso demonstrar o quanto me envolvo.

Ana. diz:
eu não pareço ser fraca

Ana. diz:
nem dependente, nem carente, nem porra nenhuma

Ana. diz:
eu sou alguém que todo mundo queria ser

Ana. diz:
blah, chega. eu vou me arrepender de estar falando isso.

Ana. diz:
porque pra você eu também prefiro ser a pessoa que não se envolve.

Lets. diz:
tche

Lets. diz:
e eu fingo q acredito q vc eh a pessoa q nao se envolve

(...)

Lets. diz:
pq nao pode ser vc mesma? acho mais natural

Ana. diz:
eu mesma sou muito pequenininha

Ana. diz:
muito frágil

Lets. diz:
eu sei

Lets. diz:
sei pai tambem deve saber

Ana. diz:
mas vocês fingem que não sabem

Ana. diz:
agem como se eu fosse o que eu demonstro

Ana. diz:
pra ele, pelo menos, deve ser mais fácil assim

Ana. diz:
pra vocês também, aliás

Ana. diz:
porque também não tem com o que se preocupar

Ana. diz:
com o que lidar

Ana. diz:
é só deixar tudo assim

Ana. diz:
do jeito que tá

Ana. diz:
afinal, eu pareço estar tão bem mesmo.

(...)

Ana. diz:
ultimamente eu tenho sido a ana pequenininha

Ana. diz:
mas não mudou nada

Ana. diz:
aí eu volto a ser a ana forte.

(...)

Ana. diz:
pra fingir que não me dói.

Lets. diz:
tp hj né?

Lets. diz:
hj vc ja ta diferente

Ana. diz:
é, tipo hoje.

Lets. diz:
viu

Lets. diz:
a gente presta atençao(pelo menos eu)

Ana. diz:
a minha mãe sempre disse que eu ia amar alguém que fosse igual ao meu pai

Ana. diz:
huahuahu

Ana. diz:
e nesse ponto ela tava certa

Ana. diz:
quando eu sou a criança dele (porque perto dele eu sou tão criança na realidade)

Ana. diz:
ele finge que não vê

Ana. diz:
e me trata como uma adolescente problemática

Ana. diz:
ou como uma adulta forte que não precisa mais dele

Ana. diz:
e aí

Ana. diz:
só me resta ser isso.

Ana. diz:
pra não parecer que dói.

Lets. diz:
pode ter certeza q ele sabe a difernça.. e ao contrario dele eu nao gosto do q vc finge ser nao

(...)

Lets. diz:
pq eu sei q amanha vc vai ta a outra ana

as únicas que nunca estão em casa.

Ana. diz:
e eu tô igual uma criança retardada e carente

Ana. diz:
que necessidade idiota de ter sempre alguém por perto

Ana. diz:
de ter sempre proteção

Ana. diz:
eu quero que me protejam do que?

Ana. diz:
do suplício de ficar só comigo mesma?

Ana. diz:
aff

'C'... diz:
é clichê... but it is

Ana. diz:
às vezes tudo que eu queria é ser aquilo que eu inventei ser um dia

Ana. diz:
sabe?

Ana. diz:
nem aí pra nada

Ana. diz:
nem pra mim nem pra ninguém

Ana. diz:
que o mundo se foda e fim.

'C'... diz:
eu nao lembro se ja tive algum momento assim

'C'... diz:
mas

'C'... diz:
to no mesmo barco

Ana. diz:
emoções

Ana. diz:
coisa idiota.

Ana. diz:
ridícula.

Ana. diz:
inventada.

bah!

- Leia um livro, ouve uma musica baixinho, ou então sai pra dar uma volta. A noite tá quente e...
- Por favor...
- Nessas horas é o que normalmente você precisa pra...
- Eu preciso de você.

(...)

- Porque não dorme?
- Porque sonhar contigo não é a mesma coisa.

Tati Bernardi.

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Se fosse uma comédia-romântica-americana, a gente se encontraria daqui a um tempo e eu diria a ele, que mesmo depois de ter conhecido homens que não gritavam quando eu acendia a luz do quarto, não faziam uso de um cigarro que me irritava profundamente e sobretudo minha rinite alérgica, não amavam os amigos acima de, não espirravam de uma maneira a deixar um fio de meleca pendurado no nariz, não usavam cueca rosa, não cantavam tão mal e tampouco cismavam de imitar o Led Zeppelin, não tinham a mania de aumentar o rádio quando eu estava falando, não tiravam sarro do bairro em que nasci, não insistiam em classificar minhas mãos e pés como seres de outro planeta, não ligavam se eu confundisse italiano com espanhol e argentino, nomes de capitais, movimentos artísticos, datas de revoluções e nomes de queijo, era ele que eu amava, era ele que eu queria. E ele me diria que, mesmo depois de ter conhecido mulheres que conheciam a Europa e não entupiam o ralo com cabelos, mulheres que tinham nascido em bairros nobres e charmosos de São Paulo, ou melhor, do Rio de Janeiro, mulheres que arrumavam a cama e não demoravam tanto para sentir prazer, não entravam de sapato no carpete, não tinham uma blusa
ridícula com uma rajada de dourado, não eram dentuças e tampouco testudas, não cantavam tão mal, não tinham medo de cachorros pequenos, não reclamavam do ar-condicionado e nem tinham medo de perder a mãe ou comer uma comida muito temperada, era eu que ele amava, era eu que ele queria. Mas a realidade é que não gostamos desses tipos de filme fraco com final feliz, gostamos dos europeus "cult" onde na maioria das vezes as pessoas sofrem e perdem, assim como aconteceu com a gente.

Caio Fernando Abreu.

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MORRO DE SAUDADE. Que coisa maluca a distância, a memória. Como um filtro, um filtro seletivo, vão ficando apenas as coisas e as pessoas que realmente contam.

A menina que roubava livros.

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Como a maioria dos sofrimentos, esse começou com uma aparente felicidade.

Caio Fernando Abreu.

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Como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente.

Caio Fernando Abreu.

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Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ana Cláudia Saldanha Jácomo

Hoje, se quiser, se puder, se souber, me fala de você. Da essência vestida com essa roupa de gente com a qual você se apresenta. Fala dos seus amores, tanto faz se estão perto do seu corpo ou somente do seu coração. Fala sobre as coisas que costumam fazer você sintonizar a freqüência do seu riso mais gostoso. Fala sobre os sonhos que mantêm o frescor, por mais antigos que sejam. Fala a partir daquilo em você que não desaprendeu o caminho das delícias. Do pedaço de doçura que não foi maculado. Da porção amorosa que saiu ilesa à própria indelicadeza e à alheia. A partir daquilo em você que continuou a acreditar na ternura, a se encantar e a se desprevenir, apesar de tantos apesares. Conta sobre as receitas que lhe dão água na boca. Sobre o que gosta de fazer para se divertir. Conta se você reza antes de adormecer.

Hoje, me fala de você. Dos momentos em que a vida lhe doeu tanto que você achou que não iria agüentar. Fala das músicas que compõem a sua trilha sonora. Dos poemas que você poderia ter escrito, de tanto que traduzem a sua alma. Senta perto de mim e mesmo que estejamos rodeados por buzinas, gente apressada, perigos iminentes, faz de conta que a gente está conversando no quintal de casa, descascando uma laranja, os pés descalços, sem nenhum compromisso chato à nossa espera. A gente já brincou tanto de faz-de-conta quando era criança, onde foi que a gente esqueceu como se chega a esse lugar de inocência? Fala da lua que você admirou outra noite dessas, no céu. Da borboleta que lhe chamou à atenção por tanta beleza, abraçada a alguma flor, como se existisse apenas aquele abraço. Diz se quando você acorda ainda ouve passarinhos, mesmo que não possa identificar de onde vem o canto. Diz se a sua mãe cantava para fazer você dormir.

Senta perto e me conta o que você sentiu quando viu o mar pela primeira vez e o que sente quando olha pra ele, tantas vezes depois. Se tinha jardim na casa da sua infância, me diz que flores riam por lá. Conta há quanto tempo não vê uma joaninha. Se tinha algum apelido na escola. Se consegue se imaginar bem velhinho. Fala da sua família, a de origem ou a que formou. Das pessoas que não têm o seu sobrenome, mas são familiares pra sua alma. Fala de quem passou pela sua vida e nem sabe o quanto foi importante. Daqueles que sabem e você nem consegue dizer o tamanho que têm de verdade. Fala daquele animal de estimação que deitava junto aos seus pés, solidário, quando você estava triste. Diz o que vai ser bacana encontrar quando, bem lá na frente, olhar para o caminho que fez no mundo, em retrospectiva.

Podemos falar abobrinhas, desde que sejam temperadas com riso, esse tempero que faz tanto bem. A gente pode rir dos tombos que você levou na rua e daqueles que levou na vida, dos quais a gente somente consegue rir muito depois, quando consegue. A gente pode rir das suas maluquices românticas. Das maiores encrencas que já arrumou. Das ciladas que armaram para você e, antes de entender que eram ciladas, chegou até a agradecer por elas. De quando descobriu como são feitos os bebês. A gente pode rir dos cárceres onde se prendeu e levou um tempo imenso pra descobrir que as chaves estavam com você o tempo todo. Das vezes em que se sentiu completamente nu diante de um Maracanã, tamanha vergonha, como se todos os olhos do mundo estivessem voltados na sua direção. Das mentiras que contou e acreditaram com facilidade. Das verdades que disse e ninguém levou a sério.

Não precisa ter pauta, seguir roteiro, deixa a conversa acontecer de improviso, uma lembrança puxando a outra pela mão, mas conta de você e deixa eu lhe contar de mim. Dessas coisas. De outras parecidas. Ouve também com os olhos. Escuta o que eu digo quando nem digo nada: a boca é o que menos fala no corpo. Não antecipe as minhas palavras. Não seja impaciente com o meu tempo de dizer. Não me pergunte coisas que vão fazer a minha razão se arrumar toda para responder. Uma conversa sem vaidade, ninguém quer saber qual história é a mais feliz ou a mais desditosa.

E se não quisermos, não pudermos, não soubermos, com palavras, nos dizer um pouco um para o outro, senta ao meu lado assim mesmo. Deixa os nossos olhos se encontrarem vez ou outra até nascer aquele sorriso bom que acontece quando a vida da gente se sente olhada com amor. Senta apenas ao meu lado e deixa o meu silêncio conversar com o seu. Às vezes, a gente nem precisa mesmo de palavras.




P.s.: Não deu pra deixar em destaque as melhores partes: é simplesmente perfeito. chorei lendo. vem, me fala de você.)

Arnaldo Jabour

Crônica do Amor.


Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?

Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.





Eu voltei pra minha sina, contei pra uma menina;
Meu medo só termina estando ali.
Ela é suave assim e sabe quase tudo de mim,

Ela sabe onde eu queria estar enfim...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Caio Fernando Abreu.

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Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu.